18 de nov. de 2015

VIDAS INTERROMPIDAS

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Familiares ainda buscam notícias dos desaparecidos na tragédia de Mariana. Muitos sobreviventes que perderam suas casas estão abrigados em hotéis e pousadas do município.

Por Anderson Pereira

 “A Samarco não fala nada e fico sabendo de informações pela imprensa. Estou perdida no tempo”. 
O desabafo é de Aline Pinheiro, de 33 anos, que foi em Mariana no último domingo buscar informações sobre o marido Samuel Vieira Albino, de 34 anos, que está desaparecido desde o dia do rompimento das barragens da Samarco – mineradora que pertence a Vale e a BHP Billinton – ocorrido em 05 de novembro.

Samuel era operador de máquina de sondagem na Geotécnica – empresa terceirizada que trabalha para a Samarco - há um ano e meio. Ele morava com a família em Ribeirão das Neves, cidade da Região Metropolitana de Belo Horizonte, e tinha quatro filhos (dois meninos e duas meninas, entre 2 e 13 anos). 

 Aline Pinheiro pede informações para o prefeito de Mariana, Duarte Júnior (PPS), e um representante da Samarco

No dia da catástrofe, ele estava na barragem que se rompeu, a de Fundão, na companhia do colega Claudemir Elias dos Santos que trabalhava na Integral Engenharia, outra empresa terceirizada da Samarco. O corpo de Claudemir foi encontrado há 100 km de Mariana.

O número de vítimas e pessoas desaparecidas até aqui dá a dimensão da maior tragédia ambiental já ocorrida em Minas Gerais. Doze pessoas ainda não foram encontradas, sendo nove trabalhadores da Samarco. Onze mortes já foram confirmadas e cerca de 600 pessoas que moravam no distrito de Bento Rodrigues estão abrigadas em hotéis e pousadas de Mariana.  

No início desta semana, a lavradora Maria das Graças Barbosa de Matos, de 57 anos, tomava café, sozinha, numa das mesas num pequeno refeitório de um hotel situado a poucos metros da rodoviária de Mariana.

Dona Maria, de cabelos negros compridos e um rosto com traços fortes, morava em Bento Rodrigues há 35 anos. No dia da tragédia, ela acordou cedo, antes das 6h, e às 7h já trabalhava entre plantações de milho e cana. Em casa durante a tarde, ela recebeu um telefonema após o banho. Era o genro, funcionário da Samarco, avisando que uma das barragens da empresa tinham se rompido. “Peguei o meu neto de oito anos que estava comigo e sai correndo”, lembra ela.


Dona Maria das Graças Barbosa e o marido estão abrigados num dos hotéis de Mariana

Na rua, ela se deparou com outras pessoas também correndo para se salvar. “Muitos passaram nas casas avisando, aos gritos, que a barragem tinha estourado”, recorda ela.

Já a dona Neuza Maria de Souza Inácio, de 54 anos, morava no distrito de Bento Rodrigues há 33 anos. Ela assistia TV em casa antes da imensa onde de lama invadir o pequeno distrito. Do lado de fora, seus três filhos conversavam. “Em seguida”, lembra ela, “o chão começou a tremer e o vento fazia a copa das árvores ‘dançar’ de um lado para o outro. Ao longe, a gente via uma nuvem de poeira se aproximando. Na hora, pensei que fosse a chegada de um helicóptero até que um dos meus filhos gritou”: 

- A barragem estourou! A barragem estourou! Vamos sair, vamos sair...

Sem alarme
Amanda Aparecida do Carmo, de 17 anos, também estava em Bento Rodrigues no dia da tragédia. Ela, a irmã, a filha de um ano e dois meses e alguns amigos conseguiram escapar graças a um telefonema de um parente que trabalha na Samarco.

“Ele ligou desesperado e gritou”:

- Sai de casa agora que a barragem estourou. 

Durante alguns minutos, ela pensou que pudesse ser uma brincadeira. 

“Na hora fiquei sem entender. Mas depois fui para a rua e vi uma nuvem de poeira se aproximando e um barulho de água, como se fosse de uma cachoeira próxima. Graças a esse aviso, conseguimos sair com vida. Mas a empresa não avisou, por isso fica o sentimento de revolta. Eu gostava de morar lá”, diz ela.

A lavradora Maria das Graças também não ouviu nenhum sinal de alerta emitido pela empresa.
Amanda conta que correu para a parte alta de Bento Rodrigues, assim como os outros moradores, e ficou lá até ser resgatada pelo Corpo de Bombeiros. De lá, ela viu a onda de lama que, em poucos minutos, destruiu tudo por onde passou. 

“Nesse momento, a gente sempre escutava o barulho de uma casa caindo. Foi horrível”.
Mas nem todos conseguiram se salvar. Thiago Damasceno dos Santos, de sete anos, foi uma das vítimas após o rompimento da barragem. O tio do garoto, Alexandre Damasceno, resume o sentimento da sua família e porque não dizer das outras atingidas por essa tragédia: “Queremos justiça”.



Nota
Em nota divulgada para a imprensa, a empresa Samarco informou que avisou os moradores de Bento Rodrigues sobre o rompimento das barragens por telefone. A empresa, porém, não soube informar quantas pessoas foram avisadas.

Capital

Mariana foi a primeira capital de Minas Gerais e está localizada na região central do Estado, a 120 km de Belo Horizonte, e tem uma população estimada pelo IBGE de 58.802 habitantes. Assim como outros municípios  mineiros, é altamente dependente dos recursos da mineração (mais de 80%). A atividade é responsável por cerca de 4 mil empregos na região.

Muitos moradores de Bento Rodrigues também trabalhavam na Samarco. O distrito ficava distante 35 km de Mariana e era formado por gente simples. Abrigava casas de arquitetura colonial, cachoeiras e pequenas propriedades rurais.

Nas ruas de Mariana, o clima entre os moradores é de incerteza, resignação, tensão e também de solidariedade. No Centro de Convenções do município, o volume de doações entre roupas, material de limpeza e calçados era grande. Tanto que, no último domingo, voluntários que trabalhavam no local informavam que novas doações estavam suspensas.

A prefeitura de Mariana também informa, por meio de nota, que novas doações de roupas, mantimentos, água, produtos de higiene, dentre outros, devem ser encaminhadas ao Serviço de Voluntariado da Assistência Social (Servas), em Belo Horizonte. “O Servas está direcionando os donativos para outras cidades atingidas pelo rompimento das barragens em Mariana”.

Prefeito de Mariana, Duarte Júnior (PPS), ao lado da presidente do Ibama, Marilene Ramos. Maior tragédia ambiental de Minas Gerais.
 


Risco de novo acidente
O Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) constatou que a barragem de Santarém, que compõe o complexo da Samarco em Mariana, não se rompeu, conforme havia sido anunciado pela mineradora. Segundo o órgão, embora a barragem tenha resistido, a estrutura ficou tomada pela lama que saiu de Fundão e sofreu erosões que podem levar a um desabamento. Em uma escala de risco de 0 a 10 (quanto maior o número, maior o risco), o reservatório atingiu a pontuação máxima, segundo o DNPM.

Estado de Calamidade
Em virtude dos desdobramentos causados pelo acidente envolvendo a mineradora Samarco, a prefeitura de Mariana decretou, no dia 14/11, estado de Calamidade.

Danos
A barragem de Fundão se rompeu por volta das 16h20 no dia 05 de novembro. O volume de lama que invadiu o distrito de Bento Rodrigues teria chegado a 2,5 m de altura. A lama de rejeitos destruiu outros distritos de Mariana, como o de Paracatu de Baixo, destruiu rios, como o Rio Doce, e deixou dezenas de pessoas sem água potável ao longo de várias cidades de Minas Gerais e do Espírito Santo. Os danos causados ao meio ambiente são, até aqui, incalculáveis.




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